quinta-feira, 11 de junho de 2009

CIRO E O GOVERNO DE SÃO PAULO

Eis artigo do sociólogo e advogado Pedro Albuquerque.Ele comenta a possibilidade do deputado federal Ciro Gomes (PSB) disputar o governo de São Paulo e sair, portanto, do páreo presidencial, como forma de minar o presidenciavel José Serra (PSDB). Confira:

Custa-me a acreditar que Ciro Gomes vá se prestar ao cumprimento desse sórdido papel. Mas não será surpresa se a esquerda e ele embarcarem nessa canoa furada, uma vez que esquerda e direita, atualmente e, infelizmente, estão a se indiferenciar no plano ético e na filosofia política.

Nesse terreno, a compreensão que tem predominado é mais ou menos esta: na natureza do conflito de poder estaria a luta do bem contra o mal. Assim sendo, guiados e protegidos por Deus, os do lado do bem, ou seja, a esquerda e seus aliados, seriam os predestinados a eliminar o mal, ainda que tivessem de recorrer a outro mal, pois os fartariam a crença na benevolência de Deus a seu favor (aliás, a hegemonia da esquerda brasileira é exercida, atualmente, pela esquerda que tem medo de alma).

A direita pensa e age nessa mesma direção. A isso eu respondo com Marx: nossa suprema divindade é a autoconsciência humana. Ora, a ética não é natural ao homem, não nasce com ele. É adquirida ou conquistada por hábito. Tampouco é normativa como a moral, mas é guia na avaliação do que seja bom para a sociedade e para o indivíduo agente da ação. Envolve, portanto, o ethos do costume e do caráter. E que não me venham falar de ética das circunstâncias, embora haja a ética da situação.

Esta, todavia, há de estar subordinada a certa universalidade de princípios. Ela tem a força de nos chamar a nós mesmos a capacidade de guiar e desenhar nossa estética e nossa poética do viver e do conviver, tal como a compreendem Kierkegaard e Foucault. Não tenho a pretensão de ditar regras éticas aos outros, mas, a mim mesmo, eu tenho.

Por isso é que, colocado diante dessa ignomínia que pretendem reservar ao Ciro na próxima campanha eleitoral, rebelo-me contra sua iminente realização ao recorrer, iluminado pelo saber de Hannah Arendt, à única arma que possuo: uso da minha moralidade para tentar tornar esse mal inteligível.

Só a inteligibilidade do mal colocado ao alcance de muitos pode criar freios éticos à sua consumação. Pode mais. Pode ser um contrapeso ao abalo em nós e no outro na crença no mundo. Não se imaginem felizes, portanto, na concreção do mal, ainda que este consuma seu fim, o que, no caso, seria a derrocada da candidatura Serra.

Aliás, é justamente a mistura de sentimento de felicidade e sofrimento e de maldade e virtude que faz o maniqueísmo nos parecer a visão mais razoável, diz um filósofo cujo nome não me chega à memória nesse instante. Voltemos a colocar o caso em direta reflexão.

Se Ciro aceitar ser candidato a governador em São Paulo somente para minar a candidatura de José Serra, nada o distanciará do mesmo papel cumprido pela mãe da filha do Lula na campanha de 1989 que, instrumentalizada pela pocilga que engendrou Collor como candidato a Presidente, usou a estória do aborto para empanar a imagem de Lula.

Na verdade, Collor era mais um instrumento da direita mais corruta e mais golpista para minar as candidaturas de Brizola e Lula do que um candidato a Presidente. Da mesma forma que Ciro não seria um candidato a governador de São Paulo, mas, um instrumento aético para empanar a imagem de Serra. Nós, da esquerda, não podemos usar das mesmas armas da sordidez que a direita mais anti-republicana tem usado contra nós ao longo da história.

Na eleição municipal que elegeu Ciro prefeito de Fortaleza, participei da coordenação do “Movimento Fortaleza Sim Cambeba Não” que apoiou Edson Silva. Recebemos inúmeras propostas aéticas para serem usadas contra Ciro e rechaçamos todas elas. Se minha opinião ainda puder ter guarida nas hostes de meus/minhas companheiros/as da esquerda e junto ao próprio Ciro, eu a todos/todas e, pessoalmente ao Ciro diria: não aceitem cumprir esse papel sujo, ainda que seja contra aquele que, na avaliação sua e da esquerda que governa o país, simboliza o mal, retrocesso.

Não ofereçam ao Ciro esse papel, poupem-no, pois o Brasil e o Ceará o esperam em missões mais estratégicas. Em vão será o fim se o meio for vilão.

Pedro Albuquerque

Sociólogo e advogado.

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